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Quando o corpo começa a envelhecer e como ocorre esse processo

Difícil de acreditar, mas é verdade: o processo de envelhecimento do corpo começa em pleno vigor da juventude, ao longo da década dos 20 anos. Órgãos e tecidos entram em declínio em tempos distintos — cérebro, mais tardiamente.

Nosso pico de massa óssea é atingido entre 25 e 28 anos. Por conta da perda que se instalará a partir daí, especialistas recomendam que se pratique atividade física desde a infância ou adolescência. Trata-se de uma “poupança” óssea para prevenir ou retardar a osteoporose, condição que enfraquece os ossos e costuma ser diagnosticada a partir dos 60 anos, quando o indivíduo passa a ser considerado idoso.

O mesmo caráter preventivo vale para os demais aspectos que ajudam a proporcionar boa saúde: refeições balanceadas, noites de sono reparador, cultivo de vínculos afetivos e construção de uma rede de apoio. A médica geriatra Maria Cristina Berleze, chefe do Serviço de Geriatria do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), propõe um questionamento que leva a uma conclusão fácil:

— Como teremos saúde na velhice se nunca nos cuidamos antes? Como fazer amigos e ter pessoas para nos cuidarem na velhice se não cultivamos amizades? São habilidades para a vida toda.

Passado o auge, pode-se dizer que o envelhecimento é a soma de processos que vão levando a reparos. A todo momento, explica Maria Cristina, as células do corpo estão nascendo, morrendo e sendo reparadas (substituídas). Cada tecido tem o seu tempo de envelhecimento e reparo. Curiosidades: as células cerebrais apresentam longevidade maior, e o tecido de mais fácil reposição é o lábio.

— Olha que bonito: à medida em que envelhecemos, vamos ficando cada vez mais exclusivos. Vamos renovando aquela fórmula peculiar de nós mesmos — observa a geriatra do São Lucas.

Essa fórmula, entretanto, pode sofrer mutações e influências do ambiente. Nossa própria biologia já está modificada em relação a nós. Existem diversos mecanismos de reparo, mas, às vezes, esses sistemas podem ter imperfeições. É como se houvesse uma falha no controle de qualidade da linha de fábrica, exemplifica a médica.

— No mecanismo de reparo, pode surgir uma cópia não tão fiel, aí vamos trocá-la. Mas são tantas cópias nesse processo que uma falha ou outra podem acontecer. Pode precisar de um recall, ir ao médico para realinhar a linha de produção — compara Maria Cristina.

Depois do auge da performance, começa a decadência, que se dá em ritmo progressivo. Ninguém acorda com uma incapacidade de forma súbita. A velocidade do processo se acentua dos 70, 75 anos em diante, conforme a geriatra Roberta Rigo Dalla Corte, chefe da Unidade de Geriatria do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e professora do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

— A pessoa vai se adaptando com incapacidades que surgem ao longo dos anos e consegue se manter funcional. Podemos adaptar a velocidade das tarefas, a amplitude dos movimentos. Isso é um envelhecimento normal: atendo as necessidades da minha rotina, não perco funções, adapto — fala Roberta.

O envelhecimento que foge do padrão é o não fisiológico, acelerado por enfermidades. Entre as mais frequentes, estão a hipertensão, que atinge cerca de 80% dos idosos, e o diabetes (de 20% a 25%). A pressão alta aumenta o risco de acidente vascular cerebral (AVC) e infarto, que apressam o envelhecimento. O diabetes, por sua vez, pode comprometer rins, coração, pâncreas, nervos e olhos.

— No envelhecimento normal, a pessoa não tem nenhuma doença ou tem poucas doenças crônicas bem controladas. Aos 80 anos, com hipertensão desde os 70, provavelmente estará numa curva de deterioro normal — avalia Roberta. — O envelhecimento mais acelerado que o normal se dá a partir de múltiplas doenças crônicas com complicações — complementa.

Cada indivíduo tem uma capacidade única e intransferível: conhecer a si mesmo de forma que ninguém mais é capaz. Também se trata de algo a ser desenvolvido ao longo do tempo. Escute o ritmo do corpo, preste atenção aos sinais. Cuidar-se não significa apenas ir ao médico e tomar remédios. Estruture um círculo de relações ao seu redor, cultive-as, invista nelas. Tente estabelecer a melhor rotina alimentar que puder.

— O idoso não deve dar tanta atenção ao que está fora da sua capacidade de resolução. Deve focar naquilo que realmente vai impactar na sua vida. É preciso criar uma estrutura forte para dar conta do dia a dia, conhecer as suas limitações. E o mais importante: fazer atividade física. Se ainda não iniciou, dá tempo — garante Maria Cristina, acrescentando que os exercícios começados em qualquer fase da vida serão benéficos.

Maria Cristina cita a trajetória de uma das figuras mais conhecidas, carismáticas e respeitadas do Brasil: o médico e comunicador Drauzio Varella, que completa 80 anos em maio, tornou-se corredor de rua aos 50 anos. Em 2022, aos 79 anos, o oncologista conquistou a Six Star Medal, medalha conferida aos maratonistas que completam as seis principais provas do mundo (Tóquio, Boston, Londres, Berlim, Chicago e Nova York). Ninguém precisa ter o objetivo de se tornar um atleta de alto desempenho na terceira idade. Basta abandonar o sedentarismo e se tornar uma pessoa que se exercita com regularidade.

— Não existe possibilidade de envelhecer bem sem incluir atividade física. Ajuda em todas as dimensões — afirma Maria Cristina.

Dança e viagens

Selia Marciano Nunes, 74 anos, passou a praticar atividade física depois da precoce viuvez, antes dos 50. Atualmente, tem aulas de hidroginástica e dança em quatro dias da semana, de segunda a quinta-feira — a sexta é para “recarregar”. Falante e bem entrosada, Selia é referência nos grupos que integra. Gosta de viajar e tem a ausência sentida quando não pode cumprir algum roteiro. A dieta equilibrada, sem frituras, só é dispensada quando as amigas marcam um chopinho.

— Aí a gente sai da casinha — diverte-se Selia, que proibiu dois temas nas conversas: doenças e remédios.

Colega de Selia na turma de dança na cadeira, Sandra Heldt Costa, 75 anos, também estreitou laços com a turma que se reúne nas manhãs de terça-feira no Shopping João Pessoa, em Porto Alegre. Praticante de exercícios desde que as filhas entraram na escola, Sandra sentiu falta das companheiras durante dois períodos recentes em que esteve adoentada e preciso até de hospitalização. Só faltou quando realmente não tinha condições de comparecer.

— Eu não vivo mais sem isso aqui que você está vendo, sem essa alegria, sem essa amizade — declara Sandra, que em seguida seguiria para o almoço na casa de uma colega.

Na última terça-feira (4), eram quase 40 mulheres sentadas na praça de alimentação do Shopping João Pessoa, em Porto Alegre, batendo pé e erguendo as mãos ao som de músicas como Maria Tchá, Tchá, Tchá e É Hoje, lideradas pela educadora física Rita Longarai, fundadora da Corpo Movimento, que promove viagens e a prática de exercícios focados no grupo a partir de 50 anos.

— Tirar o idoso do isolamento social é a nossa meta. Sair de casa, ampliar a rede de relacionamentos. As pessoas se salvam pelo convívio com as outras — afirma Rita.

Longevidade

Ao falar de longevidade, Maria Cristina citou o exemplo de sua prática clínica e hospitalar: na véspera, prestara atendimento domiciliar a um casal de 98 e 102 anos. Internados no São Lucas, naquele dia, estavam dois centenários: pacientes de 103 e 105 anos.

— É supreendente — admira-se a médica.

Entre os motivos que permitem viver mais tempo, estão avanços em pesquisas científicas. Novas descobertas na medicina, quando chegam à vida cotidiana, possibilitam tratar doenças e impedir mortes. Tome-se o exemplo das vacinas contra a covid-19: graças ao amplo uso desses imunizantes, preveniram-se milhões de casos graves e óbitos a partir da infecção pelo coronavírus.

— São novos conhecimentos, tratamentos, propostas de reabilitação, alimentação mais saudável, controle melhor de doenças crônico-degenerativas. Mesmo com todas as dificuldades do nosso país, as pessoas estão vivendo mais. Vencemos uma série de doenças em fases anteriores da vida — conclui Roberta.

Mas de pouco adianta ostentar um número se a vida não tem qualidade. Dois aspectos são definidores: autonomia, que é a capacidade de a pessoa ter suas próprias ideias e pensamentos, e independência para executar tarefas como preparar a alimentação, medicar-se e tomar banho.

— De nada adianta chegar aos 90, 95 anos se os últimos 15 foram na cama. O grande desafio da medicina é a chamado compressão da morbidade: deixar a doença lá para o final da vida, durando bem pouquinho tempo — indica a geriatra do São Lucas.

A importância dos exercícios

  • Nunca é tarde para começar. A prática de exercícios físicos traz benefícios em qualquer idade. Consulte seu médico para avaliar as melhores opções
  • Procure a orientação de um educador físico. É preciso ir com calma para evitar lesões e tirar proveito das sessões
  • Se você tiver alguma limitação — coluna, quadril, ombro, joelho —, o planejamento terá de ser mais cuidadoso
  • Ninguém vira desportista de um dia para outro. Não tenha pressa para recuperar o tempo de sedentarismo

Outras atividades

  • Mantenha o convívio em grupos com diferentes interesses: família, amigos, praia, clube, futebol. Cultive laços afetivos intensos e duradouros, que lhe permitam ter a sensação de pertencimento
  • Participe de atividades e comunidades de caráter espiritual ou religioso, se fizerem sentido para você
  • Ter contato com a natureza é fundamental
  • Tabagismo, sedentarismo e alcoolismo são os maiores fatores de risco à saúde, em termos de comportamento. De todas as doenças que vamos desenvolver ao longo da vida, 30% têm característica genética e 70% estão relacionadas a maus hábitos
  • O senso de humor é uma habilidade muito importante
  • Leitura, atividade física e uma dieta rica em frutas em frutas e verduras, que dispensa o consumo de industrializados e açúcar, auxilia a evitar o comprometimento cognitivo
  • Pense no que pode trazer prazer e satisfação para a sua rotina. Resgate projetos antigos que foram interrompidos ou não chegaram a ser realizados. Cursos de dança, idiomas e música podem ser ótimos passatempos. A idade não é um impeditivo, e o aprendizado nessa fase da vida pode ser muito gratificante

 

*GZH

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