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Um mês após distanciamento controlado, média de novos casos por dia triplica no RS

Com 316 mortos e 13,6 mil pessoas oficialmente contaminadas com coronavírus, o Rio Grande do Sul não está em situação tão complicada como outros Estados, mas recordes diários em casos, mortes e internações hospitalares de algumas cidades estão obrigando as autoridades a reverem estratégias do modelo de distanciamento controlado, criado para enfrentar a pandemia.

Um mês após a implantação da estratégia, iniciada em 11 de maio, a média de novos casos quase triplicou em comparação aos 30 dias anteriores à aplicação do modelo de bandeiras: passou de 110,6 novos casos por dia para 292,5, mostra análise de GaúchaZH sobre dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES) desta quarta-feira (10).

As estatísticas são baseadas na data de confirmação (quando o exame fica pronto). À medida que saem os resultados de testes mais recentes, os números dos últimos dias podem ser atualizados e sofrer elevação. Na quarta-feira, o Rio Grande do Sul registrou 840 novas infecções, um recorde em um único dia.

Crescimento pequeno ocorreu com mortos por coronavírus. A média de vítimas diárias um mês após o distanciamento controlado é de 5,3 por dia – no mesmo intervalo de tempo antes da estratégia, 4,5 pessoas morriam por dia. Nesta quarta-feira, foram registradas 14 novas mortes no Rio Grande do Sul, outro recorde.

Na outra ponta, maio teve aumento de hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG). Neste momento, 72,5% dos leitos de UTI do Rio Grande do Sul estão ocupados – destes, 24,5% são usados para tratar suspeitos ou confirmados para coronavírus.

Em boletim epidemiológico desta semana, a Secretaria Estadual da Saúde informou que o coronavírus agora está chegando à população menos escolarizada. Movimento semelhante já ocorre na Capital.

Porto Alegre bateu recorde nesta semana em número de internações por coronavírus em UTIs: na manhã desta quinta-feira (11), 81,5% dos leitos estavam ocupados – acima de 80%, o sinal de alerta é aceso. Em resposta, o prefeito Nelson Marchezan já suspendeu a abertura de novas atividades, mantendo o que já estava aberto.

Especialistas consultados pela reportagem apontam, em consenso, que a principal causa para a deterioração do cenário é a volta de atividades proporcionada pelo distanciamento controlado do Piratini – algo esperado pelo próprio governo, que planeja que a população conviva com o vírus. No entanto, médicos elogiam a possibilidade de adaptação da estratégia e afirmam que a piora pode ser revertida se a política se prestar ao que se propõe: endurecer as restrições onde for necessário para conter o avanço do coronavírus.

Caso o ritmo da epidemia siga como está hoje, o médico e professor de Infectologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki vê risco de falta de vagas em hospitais.

— Não tenho muita dúvida de que vemos hoje o impacto das medidas de flexibilização em um momento no qual a curva crescia, ainda que de forma lenta. Os riscos agora são chegar a níveis mais críticos de lotação de leitos. Como, desde o fim de maio, deixamos de considerar o número de casos na modificação de bandeiras, o risco é termos, nas próximas duas a três semanas, uma leva de novas infecções não contabilizadas para a flexibilização — afirma.

Cinco regiões, em específico, preocupam o Piratini e podem mudar para bandeira vermelha, de risco: Erechim, Novo Hamburgo, Palmeira das Missões, Santa Maria e Taquara, que envolvem dezenas de municípios.

A classificação de bandeiras é a principal arma do Piratini contra a epidemia. Ao mesmo tempo, o governador Eduardo Leite tomou ação que enfraquece a medida, ao permitir a possibilidade de municípios retomarem atividades, se o Estado aprovar o plano municipal.

Em Lajeado, com uma das maiores incidências de covid-19 do Estado, bufês em restaurantes foram abertos na terça-feira – a medida posteriormente foi revogada, após o governo estadual afirmar que a cidade foi além do permitido.

Para além disso, o Piratini endureceu critérios de classificação das regiões. A decisão ocorre após reportagem de GaúchaZH mostrar que os indicadores dificultam a passagem para bandeiras vermelha ou preta.

A Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag) declinou o pedido de entrevista com porta-voz, mas informou que o governo já estudava ajustes nos critérios de classificação das regiões.

Na terça-feira (9), a coordenadora do Comitê de Dados do governo, Leany Lemos, afirmou a GaúchaZH que o Piratini “irá rever indicadores”, destacando que a estratégia é inovadora e, portanto, está sujeita a avaliações. Ela afirmou que, em algumas regiões, “o alerta não está soando como deveria”.

Para a professora de Epidemiologia e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Lucia Pellanda, o principal indicador de deterioração no Estado é a lotação de UTIs, junto com surtos, em cidades como Porto Alegre, e a contaminação de profissionais da saúde – caso do Hospital Santa Ana. Ela alerta que a população precisa ter consciência de que, hoje, há mais risco de contaminar-se.

— Não liberou geral. O comportamento normal como era em 2019 não vai acontecer em 2020. À medida que aumenta a circulação do vírus, a gente precisa cuidar ainda mais e a população deve se engajar mais. Buffet é um absurdo, as pessoas não se protegem com álcool em gel. Se tu pegar uma foto do dia das Mães na Orla: a gente, que é médico, olha e diz: “um mês depois a UTI vai lotar”. Pois, então, um mês depois, a gente está aqui, com maior lotação das UTIs — afirma Lucia.

Na visão do epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, para além da flexibilização de atividades, contribuem para o aumento nas estatísticas a expansão da testagem para pessoas não graves em certas cidades (como em Porto Alegre), a identificação de surtos em frigoríficos, asilos e presídios e a própria interiorização da epidemia. Ao mesmo tempo, ele chama a atenção para a responsabilidade de prefeituras e empresários:

— Para além de olhar ao sistema de bandeiras e tentar aperfeiçoá-lo, é necessário que prefeitos e lideranças locais se deem conta de que é preciso ser mais capaz de manter o distanciamento. As modificações possibilitadas pelo distanciamento controlado não podem ser confundidas como retomada ampla, geral e irrestrita de todas as atividades. A impressão que temos é de que a preocupação é muito maior em limpar ambientes com álcool em gel e menos no componente interpessoal. Não é o sistema de bandeiras que vai garantir que as pessoas vão aderir, mas prefeitos, empresários e lideranças comunitárias. Falta um pouco o componente comunitário — diz o médico.

FONTE E FOTO: GAÚCHA ZH

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