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Vice-diretora médica do Hospital São Vicente explica como funciona a declaração de óbito por coronavírus em Passo Fundo

Com o intuito de esclarecer questionamentos apontados pela comunidade e desmistificar informações falsas sobre as mortes de coronavírus em Passo Fundo, sobretudo nas mídias digitais, o Diário entrevistou a vice-diretora técnica médica do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), Cristine Pilati, para explicar situações como características de pacientes suspeitos e confirmados por coronavírus, morte por Covid-19 na certidão de óbito, proibição de realizar velório em caso de mortes de pessoas contaminadas ou suspeitas, entre outros temas. “Há muita conversa sobre o assunto sem o devido conhecimento. É um problema sério, grave. Não podemos minimizá-lo”, declara Cristine.

Em tópicos, a reportagem esclarece ponto a ponto os questionamentos da população. Confira:

CARACTERÍSTICAS PARA SER SUSPEITO DE CORONAVÍRUS

A Dra. Cristine Pilati explica que, conforme regras do Ministério da Saúde, ao paciente que chega com sintomas respiratórios e síndrome gripal é levantada a hipótese de coronavírus, porque a legislação declara que, preenchendo o quadro de falta de ar, dor torácica, coriza, tosse, dependendo os critérios dos sintomas respiratórios. Em caso de paciente idoso, não importa o grau de febre, ele será suspeito de coronavírus.

“O que necessitamos entender é que essa doença tem influência grave na sociedade. Não é uma invenção de normas do São Vicente, Prefeitura, Estado. É o Ministério da Saúde que determina o tipo de atendimento que precisa ser realizado. Com essas características, ele será atendido como um caso suspeito. Todos casos suspeitos, que são internados, são coletados exames. Entrou, precisou de internação, somos obrigados a coletar o exame”, afirma.

SUSPEITA/CONFIRMAÇÃO DA DOENÇA CHEGA ATRAVÉS DE DOIS EXAMES

O vírus pode ser diagnosticado em dois exames: o RT-PCR e o teste rápido. No primeiro, se verifica as características do vírus através de analise genética e ele pode ser realizado até o décimo dia de sintoma. “O ideal é que ele seja realizado do terceiro ao quinto dia. Vamos supor que uma pessoa chegue muito mal, ela entre no hospital, tem história de sintomas no primeiro dia. Pode ser que a pessoa tenha todas as características de coronavírus, mas que o exame venha negativo. Como também, se ela tiver mais de 10 dias de sintomas, pode ser que venha negativo”, explica Cristine.

O teste rápido, enviado pelo governo estadual, analisa os anticorpos. “Neste caso, não estou mais enxergando o vírus, mas o anticorpo que se cria contra ele. Ele tem dois tipos, o de fase aguda, que é o IgM, e de memória, e o IgG, que normalmente fica positivo para o resto da vida. Esses anticorpos vão atingir o pico depois do décimo dia. Se eu fizer o exame muito precoce, não vai dar positivo também”, lembra.

“Então, nem o PCR nem o teste rápido são 100% de certeza que vão positivar em todos os pacientes doentes. Existe um falso negativo, se a pessoa não estiver nos períodos ideais de positividade. Pode acontecer de um paciente chegar, o teste ser negativo e paciente ser suspeito de coronavírus, pelas características clínicas, do raio-x de tórax, tomografia”, completa.

Outro caso que acontece, segundo a vice-diretora médica, é que a pessoa pode chegar no hospital e, horas mais tarde, vir a falecer sem ter chegado o exame PCR. “Se ela tem o teste rápido positivo, este já confirma o diagnóstico, mesmo com o teste PCR, que é realizado em Porto Alegre, não estar pronto, pois demora de três a quatro dias para chegar. Às vezes, o que observamos é um anticorpo positivo, mas o PCR negativo, porque já passou daquela fase inicial. Então, sendo suspeito de coronavírus ou confirmando a positividade e a pessoa vindo a falecer, o velório e os cuidados são de interesse público”, explica Pilati.

O PACIENTE MORREU, O QUE VAI NO LAUDO?

O caso confirmado de coronavírus vai com este diagnóstico para a declaração de óbito. Entretanto, se o óbito era suspeito de coronavírus, com indícios clínicos e havia um raio-x de tórax ou tomografia muito suspeita, o diagnóstico é notificado como síndrome respiratória aguda grave.

“Sem o teste sorológico (rápido) e ou PCR positivo, não se pode colocar no atestado de óbito morte por infecção por coronavírus, mas é colocado síndrome respiratória aguda grave. Se isso vai no atestado de óbito, não quer dizer que seja de coronavírus, mas que era um caso suspeito. Outros diagnósticos podem ser colocados, como pneumonia viral, choque séptico, síndrome respiratória aguda grave. O que existe é uma confusão das pessoas. Elas confundem a síndrome respiratória aguda grave achando que é diagnóstico de covid-19, e não é isso. É, na verdade, uma doença pulmonar sem causa específica, aguardando o resultado. Já ocorreram alguns casos de pacientes que vieram a falecer, era síndrome respiratória aguda grave não tínhamos diagnóstico. A pessoa chegou e, em 20 minutos, faleceu. Depois veio positivo, depois de dois, três dias. No atestado vai como síndrome respiratória aguda grave. Agora, se antes dessa pessoa falecer, conseguirmos fazer um teste rápido, que agora possuímos, e esse teste vier positivo, já é um paciente confirmado de coronavírus. Independente do resultado do PCR, mesmo que venha negativo, porque depende do momento da doença”, enfatiza Cristine.

MORTES POR CORONAVÍRUS SEM VELÓRIO

Cristine explica que, sendo suspeito ou confirmando a morte por coronavírus, a determinação do Ministério da Saúde, por meio de portaria, é que a pessoa precisa sair direto do hospital para ser enterrada, sem direito a velório. “Isso não é uma determinação nossa, existe uma portaria do Ministério da Saúde e um Decreto Municipal que estabeleceu como essa pessoa tem que ser velada e sepultada. Independente de ser confirmado ou suspeito, ele não pode ter tempo de velório se vier a morrer. Existe todo um método de preparo do corpo, colocado num lençol, num manto impermeável, com saco lacrado, fechado, e realizado a higienização do envolucro. Depois, ele é colocado na urna funerária, que é lacrada e não pode ser aberta. Isso é uma norma sanitária que tem que ser cumprida”, afirma.

Cristine relata que, por outro lado, também entende a dor dos familiares. “Eu também me coloco no lugar das pessoas. É muito triste, mas não é algo que eu possa mudar, o hospital mudar”, completa. Uma regra que o HSVP criou e é própria da instituição é aguardar a chegada de um familiar em até uma hora no local do falecimento para que possa ver o parente. “Criamos essa situação para casos de Passo Fundo. Depois, infelizmente, não tem como abrir a urna”, pontua. Essa situação foi alterada até mesmo para outros pacientes, mesmo que não sejam suspeito de coronavírus. Nesses casos, eles poderão ser velados por, no máximo, três horas e depois ser sepultado, além de ter um limite de pessoas que podem frequentar o velório.

PROTOCOLO PÓS-ÓBITO

Todo e qualquer óbito de paciente suspeito ou confirmado de coronavírus, ou morte de síndrome respiratória aguda grave é de notificação compulsória. Então, o falecimento deve ser avisado na hora que ocorre para a Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde. O Estado também é avisado imediatamente via telefone.

CURVA ALTA EM PASSO FUNDO

Na opinião pessoal da vice-diretora médica, uma das questões fundamentais para explicar as 25 mortes por coronavírus em Passo Fundo é quanto a curva alta de idade dos óbitos. Além disso, a maioria apresentava, pelo menos, três comorbidades, geralmente diabetes, hipertensão e obesidade.

“Eu queria fazer essa reflexão. Por quê as pessoas morrem em Passo Fundo? Morreu alguém da faixa etária que não seja a faixa etária esperada de óbito? Um jovem? Uma criança? Uma pessoa que não tinha comorbidades? Um profissional da saúde? Não. Não faleceu ninguém fora da curva. Além disso, foram pessoas de 80, 88, 90 anos, em sua maioria. É uma idade acima da curva que se vê. A média de idade dos pacientes que foram ao óbito na cidade foi de aproximadamente 75 anos, é bem alta. E são pacientes muito doentes. O vírus circula mais na cidade. Mas existe óbito de faixa etárias não esperadas ou de casos leves, moderados? Não. Os pacientes que faleceram foram pacientes muito graves, de idades avançadas, com muitas comorbidades”, frisa.

 

 COMPARATIVO COM CHAPECÓ?

Nas redes sociais, algumas pessoas realizaram um comparativo dos números de coronavírus entre Passo Fundo e Chapecó. Em Passo Fundo, até quinta-feira, eram 25 mortes e 438 casos confirmados, enquanto a cidade catarinense registrou 684 casos confirmados e dois óbitos. Segundo Cristine Pilati, é necessário ter cuidado ao fazer análises e comparativos, porque deve-se levar em conta as características populacionais.

“Escuto frequentemente a fala que não morre pessoas em Chapecó como em Passo Fundo. Mas se pegarmos a curva de Chapecó, são pessoas de idades diferentes daqui. A maioria dos casos são de faixa etária de 30, 40, 45 anos. A nossa curva é muito mais avançada. No meu ponto de vista, é importante levar isso em consideração. Onde a doença se estabelece, ela depende muito das características populacionais. Temos que ter o cuidado na análise para não ser uma análise fútil de dados”, afirma.

EXISTE FRAUDE?

“É muito complicado as pessoas falarem em fraude sobre essa situação. Ninguém ganha mais por óbito. Nós acompanhamos postagens sobre isso nas redes, falando que ‘cada óbito se ganha um recurso financeiro a mais’. Isso é uma mentira. Não se ganha nada por óbito. Não existe nenhum recurso por doença alguma que venha por causa de óbito. Além de que não existe recebimento fixo por leito. Já ouvimos falarem de ‘ah, vai ganhar 16 mil por leito de coronavírus’. Isso não existe. Existe uma diária de leito de quarto, como existe para bloco cirúrgico, uma diária pelo paciente que está internado ali. Só que essa diária não é fixa por mês. Se não se usa, não se ganha nada do SUS. É uma diária hospitalar, como qualquer convênio, qualquer sistema de saúde suplementar. Sem tem paciente de coronavírus utilizando, tem diária. O que difere uma diária de UTI geral para uma de UTI de coronavírus é que o Ministério da Saúde entendeu que a maioria dos hospitais precisou constituir uma nova equipe, uma nova UTI. Eles colocaram uma porcentagem nos valores que já eram praticados em UTI para possibilitar estas implementações. Nós, por exemplo, montamos quatro equipes médicas novas”, esclarece Pilati.

INTERVENÇÃO PRECOCE

Uma das situações apresentadas pela Prefeitura de Passo Fundo no estudo divulgado nesta semana foi quanto a procura direta nos hospitais, o que contribuiu para que as pessoas chegassem em estado grave. Segundo Pilati, dos pacientes que foram para a UTI do HSVP, poucos haviam procurado atendimento.

“Dos 78 pacientes que estiveram em UTI [dado apresentado até quarta-feira], uma pequena porcentagem procurou atendimento. Os outros eram todos de primeira atendimento. Um alerta que pode ser dado é que, se você está acima dos 60 anos, tem comorbidades, principalmente diabetes, hipertensão e obesidade, tem que estar alerta a mais. Se está com febre, sintoma respiratório, esse grupo de pessoas deve vir procurar a emergência, para ser atendido. É onde observamos os problemas. As pessoas tem que estar atentas nesse grupo de risco. Não devem ficar em casa mesmo, tem que vir consultar se não está bem, porque a intervenção precoce talvez modifique a evolução. Não fique esperando”, finaliza.

Fonte: Jornal Diário da Manhã/ Passo Fundo.

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