Beto Bruno fala sobre término da Cachorro Grande
Depois de 20 anos de estrada e nove álbuns lançados, as divergências entre os membros da Cachorro Grande falaram mais alto. Considerada uma das maiores bandas de rock do Brasil, em novembro do ano passado, o grupo anunciou que daria adeus definitivo aos palcos com uma turnê de despedida. Para celebrar junto com os fãs a longa trajetória e encerrar em tom amistoso, até mesmo o guitarrista e fundador da Cachorro Grande, Marcelo Gross, que havia sido demitido no começo de 2018, aceitou se juntar mais uma vez ao grupo para os últimos shows. Terra natal do vocalista do grupo, Passo Fundo está entre as 20 cidades que receberão a turnê. A apresentação no município acontece no dia 9 de fevereiro.
Formada em Porto Alegre em 1999, a Cachorro Grande rompeu as fronteiras do Rio Grande do Sul e alcançou reconhecimento nacional especialmente a partir de 2005, com seu terceiro álbum, “Pista Livre”. Ao longo da carreira, dividiu palco com alguns dos maiores nomes do rock mundial, como os Rolling Stones, Oasis, Aerosmith e Iggy Pop. No entanto, nos últimos anos, desentendimentos entre os membros tornaram-se recorrentes. Em entrevista ao O Nacional, o vocalista Beto Bruno contou sobre os desgastes que fizeram com que ele, junto com o baixista Rodolfo Krieger, o guitarrista Gustavo X, o baterista Gabriel Azambuja e o pianista Pedro Pelotas, decidissem que era hora de cada um seguir seu próprio caminho.
O Nacional: Por que vocês decidiram que era hora de encerrar a banda?
Beto Bruno: É um pouco complexo. De uns três anos para cá, existe um distanciamento natural – não só um distanciamento de desgaste, por estarmos há tanto tempo na estrada, mas musical também. Eu acho que 20 anos é tempo demais para tocar em uma banda. Eu saí de Passo Fundo em 1999 e fui para Porto Alegre porque eu me apaixonei pela Denise, que morava lá e é a mulher que está comigo até hoje. Para poder morar em Porto Alegre e ficar na mesma cidade que ela, eu precisava de um emprego, então eu montei a banda (risos). Mas nunca imaginei que duraria tanto tempo. Para início de conversa, eu nunca imaginei que iria conseguir gravar um disco. Agora a gente já tem 10 álbuns. Era um sonho tão fora do que eu imaginei, era tão maior isso tudo, que eu te juro que em algum momento da minha vida eu achei que iria durar para sempre. Foram, com certeza, os 20 melhores anos da minha vida. A gente conquistou tudo que uma banda de rock poderia conquistar dentro do país. Agora, eu começo o ano sabendo que a banda vai terminar. Os últimos shows da turnê de despedida vão ser em julho. Isso para mim está sendo tão estranho, tão surreal, eu estou me sentindo meio fora do centro, meio perdido.
ON: Dá uma nostalgia, né?
Beto: É! É como se eu estivesse perdendo o emprego. Agora, em tempos de crise, é bom pensar dessa maneira (risos). São 20 anos que eu estou todo o fim de semana no aeroporto junto com mais quatro caras e uma equipe. É isso que termina com uma banda. É a van passando aqui em casa, na Vila Mariana, em São Paulo, para ir para o aeroporto. Olha que eu sou o que mora mais perto do aeroporto, mas Guarulhos é a uma hora e meia daqui. Para a gente fazer um show em Passo Fundo, por exemplo, o voo é caríssimo. Nós temos que sair daqui às 5 da manhã, pegar um voo para Porto Alegre, chegar lá, entrar em um ônibus e viajar mais 4 horas. E vamos supor que no dia seguinte tenha um show em Goiânia… É isso que está nos matando. Nesses últimos três anos, quando entramos na van já está todo mundo brigando.
ON: Deve ser desgastante.
Beto: É um desgaste emocional e físico. Essas diferenças começam a vir para fora nesses momentos. E, há 20 anos, eu tinha 24 anos. Agora eu tenho 44. Isso tudo começa a ficar difícil. A gente sempre fica pensando que, pô, alguma coisa vai acontecer no ano que vem, vai melhorar, a gente vai poder fazer as coisas mais tranquilas, mas nunca acontece. É utopia pensar desse jeito. O que estava nos mantendo unidos é o compromisso de ter que estar na estrada e pagar as contas. Ninguém mais estava se entendendo. Deixou de ser divertido. Deixou de ser “ah, estou tocando em uma banda de rock”, estava virando aquele tipo de emprego que tu já acorda meio mal porque tu sabe que não gosta mais das pessoas que estão contigo. Tu não vai ter prazer nenhum. Foi muito intenso esses 20 anos, a gente não parou, a gente não teve férias. A gente botou a música, o trabalho, na frente de tudo. A gente terminava a turnê e entrava no estúdio para gravar. Esse é um dos poucos janeiros que eu vou ficar em casa, porque temos poucos shows para fazer, então estou tirando umas férias. É a coisa mais estranha. Eu não sei o que fazer.
ON: Fazia tempo que vocês estavam discutindo sobre o término da banda?
Beto: Já fazia bastante tempo. Às vezes um membro cansava e os outros quatro davam uma força. De vez em quando outro ficava mais sobrecarregado, pedia para sair, aí iam os outros quatro e conseguiam segurar. Mas agora são os cinco que querem.
ON: Então é um fim definitivo, não um hiato?
Beto: Teve algum veículo que falou em hiato, mas eu me lembro de ter dado essa entrevista e não falei nada sobre hiato. Simplesmente estamos acabando a banda. Essa turnê de despedida é uma despedida mesmo. Quando eu tive a ideia dessa turnê, a banda realmente já não queria continuar tocando. Há uns dois meses, tomamos a decisão de que a partir de 2019 seria cada um na sua, mas me deu um lapso emocional e eu pensei “não, espera aí, não vamos terminar desse jeito, né? Vamos, em respeito a nós mesmos, nos despedir direito. Vamos escolher as 20 cidades mais importantes para nós”. Chamamos até o Gross, que estava fora da banda, para fazer a despedida, para ser uma coisa verdadeira e ver se a gente se diverte e termina levando uma coisa boa. Para que a gente termine abraçado e como era nos primeiros anos, em que terminava os shows e a gente ainda ficava junto até às 8 horas, em volta da piscina do hotel. De uns anos para cá, terminava o show e cada um ia para o seu quarto.
ON: Você comentou sobre a volta do Gross para os palcos. O que mais os fãs podem esperar dos shows de despedida?
Beto: A gente quer, sem rancor nenhum, esquecer tudo que aconteceu nesses 20 anos, olhar para frente e se divertir nesses shows. A gente quer que o público, ao invés de ficar nostálgico, se divirta conosco e tenha a mesma reação que nós. Esperamos ver, acima de tudo, essa troca que sempre teve entre o público e a banda. O repertório vai ser mais ou menos o mesmo do último disco ao vivo, “Clássicos”, que saiu em setembro do ano passado, com mais algumas coisas. Não poderia ser melhor terminar a carreira do que com um disco ao vivo, porque parece uma celebração.
ON: O primeiro show de despedida aconteceu em Chapecó, em dezembro. Como foi?
Beto: Foi atordoante. Na metade do show, eu comecei a me dar conta que faz 20 anos que eu toco para aquele público. Começou a vir para a frente do palco as pessoas que viram nossos primeiros shows. Foi uma comoção, eu quase não consegui fazer o show, fiquei com o olho cheio de lágrima.
ON: Muitas dessas pessoas cresceram ouvindo a Cachorro Grande.
Beto: A gente está se dando conta agora. São gerações. Tem pessoas que cresceram ouvindo a banda e outras que envelheceram junto conosco. O público pode ter se renovado, graças a deus, mas quem estava nos primeiros shows continua ali. Eu quero ver todo mundo. É para isso que a gente está fazendo essa turnê de despedida. As nossas brigas e diferenças viraram um pouco públicas, mas uma coisa que eu posso garantir é que, enquanto a gente estiver em cima do palco, tudo isso some e o que vem em primeiro lugar é a Cachorro Grande, o nosso público e as músicas. Tudo feito com muito amor, com muito tesão, porque sabemos que é a última vez que iremos tocar para aquela galera. Então, independente da fase que a gente está passando, cara, tenho certeza que as pessoas vão sair do show vendo que é uma coisa emocionante e forte, porque é muito verdadeira. Nossa história é muito verdadeira e não iria deixar de ser agora no final. Tanto que a gente está falando sobre isso tudo, não estamos escondendo nada de ninguém. Está tudo muito claro.
ON: Em fevereiro vocês vêm para Passo Fundo. Vai ser uma das 20 cidades contempladas com a turnê e sabemos que é uma cidade bem importante para você a nível pessoal, mas para a Cachorro Grande, o que a cidade representa?
Beto: O resto da banda não é de Passo Fundo, mas eles são amigos de todos os meus amigos de Passo Fundo e sabem de todas as histórias da cidade, porque estamos há 20 anos juntos. Nas vezes em que a Cachorro Grande foi tocar no município, desde a primeira vez, não parecia um show. Era, literalmente, eu tocando em família com os meus amigos de infância do lado. O show de Passo Fundo, para mim, vai ser tão importante quanto o show de São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre. Bah, eu tenho certeza que eu vou me emocionar muito. Os amigos que eu tinha aí, eu tenho eles até hoje. Eles acompanharam tudo comigo. Quando foi avisado que nós faríamos o show de abertura dos Rolling Stones, minha turma em Passo Fundo fez uma festa, como se nós tivéssemos ganhado a Copa. Esse sonho não era só meu, todos meus amigos dividiram comigo o sonho de abrir o show dos Stones.
ON: Deve ter sido um dos momentos mais importantes da história da banda.
Beto: Foi o momento mais importante das nossas vidas. Antes de imaginar que eu teria uma banda, eu já era o maior fã dos Rolling Stones. Todas as vezes que eles vieram para o Brasil, eu fui assistir em São Paulo. Aí eles tocam em Porto Alegre, onde nossa banda se formou, no Beira-Rio, o estádio do meu time, com a gente abrindo o show… Cara, foi a maior alegria que a Cachorro Grande trouxe para mim.
ON: A partir de agora, quais são os seus planos? No anúncio de despedida da banda diz que você já está gravando seu primeiro álbum solo.
Beto: Sim, já estou em estúdio gravando um disco, aqui em São Paulo. Estou montando uma super banda. Está bem no começo, nós gravamos umas duas ou três músicas e eu estou gostando muito do resultado. Estou podendo usar elementos que eu não poderia usar na Cachorro Grande, por não ter muito a ver com a banda. Eu tenho uma influência de Música Popular Brasileira tão grande quanto do rock inglês e americano, e a Cachorro Grande não deixava isso vir à tona. A Cachorro Grande é uma banda de rock ‘n’ roll. Não é rock isso, rock aquilo, rock gaúcho, rock indie, rock sessentista, rock psicodélico… Não. É uma banda de rock ’n’ roll, sem frescura. Talvez a melhor banda de rock no Brasil nesse século.
ON: E já tem alguma previsão de lançamento para o seu disco?
Beto: Vai sair no segundo semestre de 2019.
ON: Então vai emendar no fim da turnê de despedida da Cachorro Grande.
Beto: Justamente. Mais uma vez, não vou ter férias. E outra: agora, com a turnê, vou estar no fim de semana na estrada e durante a semana gravando disco. Estou gravando com uma turma fantástica. O Pedro Pelotas, que sempre foi nosso pianista, está participando do meu disco e me ajudando. Tenho outros nomes, mas não posso falar ainda.
ON: O Gustavo X também está participando?
Beto: Sim, o Gustavo X, que é o guitarrista que substitui o Gross, com certeza é um cara que eu quero do meu lado para o resto da vida. É um grande parceiro.
ON: O Gabriel Azambuja mora em Gramado há algum tempo e, agora, o Rodolfo Krieger vai se mudar para Portugal. E você, vai continuar em São Paulo?
Beto: Eu gostaria de não sair da Vila Mariana nunca mais, é um lugar que eu amo. Moro com minha mulher, 14 gatos e 8 mil vinis, eu não quero mexer em nada disso. Eu amo São Paulo, foi a cidade que nos acolheu. Depois de sermos reconhecidos pelos veículos daqui, fomos mais reconhecidos e valorizados no Sul. Então eu devo muito a São Paulo. A cidade é incrível, ela não para. Em plena segunda-feira, só na Rua Augusta, tem umas sete bandas autorais tocando. Como eu vou estar longe disso, se eu trabalho com música? Fora que, no fim de semana, quando eu não tenho show, tem o Caetano [Veloso], tem o Milton [Nascimento], tem os Stones, tem The Who (risos). Eu não saio daqui por nada.
Fonte: Jornal O Nacional/ Passo Fundo
Crédito: Rui Mendes/Divulgação