Beleza do São Francisco, onde ator morreu, esconde muitos perigos

O sentimento de luto que tomou o Brasil desde quinta-feira (15), com a morte de Domingos Montagner, foi acompanhado de um inconformismo com as circunstâncias dessa tragédia. Pra muitas pessoas, inclusive na própria região do acidente, é difícil aceitar que um mergulho, num momento de recreação, pudesse terminar como terminou.
A beleza do São Francisco esconde muito perigo. “Tem 25 anos que moro aqui, mas naquela área eu nunca fui”, afirma o pescador Vanildo dos Santos. O local da tragédia é conhecido como Prainha, a poucos metros da barragem do Xingó
A praia estava deserta. O local foi interditado há cerca de um ano para reforma, mas não há nenhuma placa que informe as pessoas sobre o risco de tomar banho. Os atores caminharam por pedras. É um local bonito, eles colocaram os pertences, mergulharam e nadaram até umas pedras. É exatamente no local onde, segundo os pescadores, se formam muitos redemoinhos. Foi onde tudo aconteceu.
A formação dos redemoinhos tem explicação. Além da correnteza, especialistas contam que a existência de muitas pedras aumenta a força das águas.
“Uma pedra relativamente extensa ela vai funcionar bloqueando uma parte da corrente ou desviando parte da corrente e isso vai produzir refluxos. E esses refluxos vão girar mais rápido e uma pessoa que cai num refluxo desses ela pode ser arrastada ou até mesmo sugada”, explica o Gabriel Le Campion, biólogo e oceanógrafo.
A profundidade do rio, que aumentou depois da construção da barragem, também piora a situação, especialmente por conta das pedras que ficam no leito do rio, escondidas.
“Você ainda tem a corrente formada pela água da barragem que forma uma corrente por baixo do rio. Você tem muitas pedras, cavernas, que ali é um trabalho de milhões de anos. A água ali trabalhando as pedras”, diz Antônio Jackson Lima, do Comitê da Bacia do São Francisco.
Além disso, esse trecho do rio tem vários sumidouros. São buracos dentro do rio com grande força para puxar o que estiver ao redor.
“Se você tem um local onde a água é drenada com mais força, isso vai provocar uma retração e quem tiver flutuando ali, boiando ou nadando nesse local pode ser puxado”, explica.
“Lá, as condições do rio são extremamente perigosas. O que você pudesse juntar de perigo no São Francisco, nos 2,7 mil quilômetros de rio, ali está concentrado todo tipo de perigo”, disse.
Poucas pessoas estiveram nesta sexta-feira (16) na Prainha. Perplexos também estavam os fãs e curiosos que passaram a manhã na porta do IML em Aracaju. Era tanta gente que a polícia precisou interditar o acesso ao prédio.
O corpo do ator chegou na madrugada e foi liberado no começo da tarde desta sexta. Foi para uma funerária onde foi embalsamado.
De lá seguiu em cortejo com batedores da polícia. Pelo caminho, homenagens. Eram 14h30 quando o avião levando o corpo de Domingos Montagner partiu de Aracaju.
A falta de sinalização no local do acidente gerou um jogo de empurra. O estado de Sergipe afirmou que pagou pela obra, mas que a responsabilidade da sinalização é da prefeitura. A prefeitura declarou que não instalou placas porque as obras foram suspensas pelo Ministério Público. Mas, segundo o Ministério Público, o embargo não exime a prefeitura da responsabilidade pelo local.
A Companhia Hidroelétrica do São Francisco declarou que ontem a operação no local foi similar à dos dias anteriores – e de acordo com o Operador Nacional do Sistema. E que a região enfrenta a maior estiagem dos últimos 86 anos, com o menor nível de vazão da história da usina.