Deputado Jardel é investigado no RS por desvio de verba e outras fraudes
O deputado estadual Mário Jardel (PSD) é alvo de investigação do Ministério Público. O ex-jogador de futebol e ídolo do Grêmio é suspeito de desviar verbas da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, exigir parte dos salários de funcionários fantasmas e até de envolvimento com traficantes. Em função disso, o parlamentar foi afastado do cargo por 180 dias.
O MP iniciou a investigação após denúncia de um dos assessores de Jardel. Para buscar provas, policiais foram até o gabinete do deputado e ao apartamento dele, em zona nobre de Porto Alegre, além de outros seis endereços, na manhã desta segunda-feira (30). Eles cumprem mandados de busca e apreensão na operação nomeada de \”Gol Contra\”.
A reportagem acompanhou a chegada dos policiais ao apartamento. O próprio Jardel recebe os agentes, e antes de autorizar a entrada, pergunta se pode chamar o advogado. A resposta é negativa. Dentro da casa, o deputado é questionado sobre as fraudes. Ele nega, assim como a mulher dele, que está no local e não confirma as irregularidades.
Um dos assessores de Jardel, Roger, vai até o apartamento durante o cumprimento do mandado. À reportagem, ele também nega participação no esquema. \”Não\”, se limitou a responder.
Durante mais de dois meses, esse informante passou detalhes das fraudes aos promotores. A autorização da Justiça para acesso a escutas telefônicas também ajudou a comprovar o esquema.
\”É evidente, ele cobra de praticamente todos os funcionários uma parte significativa dos salários deles a cada final de mês. Isso é cobrado de uma forma ostensiva\”, diz o procurador-geral Marcelo Dornelles.
A partir de toda a apuração, o procurador ressalta que, no mínimo, será possível denunciar o deputado pelos crimes de concussão, peculato, lavagem de dinheiro e, talvez, por tráfico de drogas.
Mais tarde, o delator encontra o colega que receberia o dinheiro, com outro funcionário do gabinete, e faz a entrega.
Assessor 1 [delator]: Eu fui dar o dinheiro pra ele, ele mandou eu dar pra ti.Assessor 2 [Roger, que recebe o dinheiro]: Não, [ele mandou dar] pro [funcionário], que é pra dar pra ele.Assessor 2 [Roger, que recebe o dinheiro]: Ele mandou o [funcionário] pegar de todos nós. Então tu dá pra mim, eu dou pra ele.Assessor 1 [delator]: Então tá.Assessor 1 [delator]: Oito, nove, dez, onze, doze… quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e um… três, quatro, vinte e cinco.
A RBS TV e o G1 tiveram acesso ao relatório com a transcrição de gravações feitas pelo próprio assessor com autorização da Justiça. Elas revelam que o deputado exige dos funcionários parte dos salários. Na gravação, o delator tenta entregar a Jardel R$ 3 mil, que corresponde à metade de seu salário. Mas o deputado diz que o repasse teria de ser feito a outro assessor, encarregado de recolher o dinheiro dos integrantes do gabinete.
Para disfarçar, Jardel usa um código. Ele diz que o valor é para o pagamento de camisas. Abaixo, confira a transcrição.
e acordo com a investigação, o dinheiro extorquido dos assessores bancava despesas pessoais de Jardel e servia até para pagar o aluguel do apartamento onde mora um irmão e a mãe dele.
\”Desde de que nós começamos a investigar fica claro, em todas as provas produzidas, que ele exigia e cobrava ostensivamente dos servidores o dinheiro exatamente para pagamento do aluguel do irmão e da mãe. Isso era praticamente uma rotina\”, destaca o procurador-geral.
Uma das escutas telefônicas autorizada pela Justiça mostra que Jardel liga para um de seus assessores e diz que o pagamento do aluguel não foi realizado.
Jardel: Amanhã é dia dez, né, [assessor]? Esqueceu de… de fazer o negócio da minha mãe, [do] apartamento, e eu quero o negócio amanhã, o negócio do… o negócio do… da…Assessor 3 [Ricardo]: Não, eu não, Jardel!Jardel: [fala sobreposta] o dinheiro pro… O que é que vocês fazem, cara? Eu dou o dinheiro, dou a nota pra vocês pagarem, vocês esquecem de pagar as coisas?Assessor 3 [Ricardo]: Não, eu vou… vou fazer o seguinte, ó: eu vou ver amanhã.Jardel: […] minha mãe, não, né, cara! O cara ligando pra minha mãe, minha mãe já é doente…
Quando Jardel fala que entregou notas para o assessor, seriam notas frias de hotel para receber diárias por viagens não realizadas. Em outra ligação, um dos assessores ligou para o colega e pediu o número da imobiliária para avisar que faria o pagamento com dinheiro das diárias.
Assessor 3 [Ricardo]: Tem o número dessa p$*&% dessa imobiliária?Assessor 3 [Ricardo]: Eu vou dar um cheque pré-datado até eu fazer essas diária aí e entrar as diária pra mim. Mesmo que eu pague o juro, aí o dinheiro fica pra mim.Assessor 2 [Roger]: Tá. Eu vou chegar ali em cima e já te ligo.
Segundo a investigação, até a fatura do cartão de crédito da mulher de Jardel era paga com dinheiro desviado do gabinete.
ardel e um assessor viajavam para o interior com apenas um carro. Além de voltar mais cedo das viagens, traziam notas frias para que outros funcionários, que não viajavam, pudessem receber as diárias. A verba para uso do carro particular também era fraudada.
Para receber o dinheiro em dobro, Jardel e o assessor recebiam verba por dois carros. O Ministério Público descreve o esquema como uma indústria de produção de fraudes.
Segundo a investigação, entre 27 e 30 de agosto, Jardel e o assessor foram para Santana do Livramento. Mas outros três funcionários do gabinete receberam diárias, sem viajar. O total pela viagem foi de R$ 5 mil.
O delator disse que o próprio deputado pegou seis notas em branco com o dono do hotel. Imagens de câmeras na estrada, examinadas pelo MP, comprovaram que Jardel retornou um dia antes da viagem, mas recebeu diárias integrais.
O relatório do MP aponta que situações como essa \”aconteciam diariamente\”. Outra nota fiscal usada como prova mostra que o assessor que fez a denúncia viajou ao Litoral Norte entre os dias 21 e 24 de setembro deste ano. Mas foi exatamente entre esses dias que ele prestou depoimento em Porto Alegre revelando as fraudes.
Com as diárias dessas duas viagens, aponta o relatório, os assessores pagaram o aluguel do apartamento da mãe e de um irmão de Jardel.
Envolvimento com traficante de drogas Além disso, a investigação também descobriu a ligação de Jardel com um traficante de drogas. E a compra das drogas também seria feita com dinheiro desviado do gabinete.
O deputado teria empregado como funcionária fantasma a mulher de um traficante fornecedor de drogas. Segundo o MP, o pagamento pode ter sido feito com o repasse de parte do salário que a assessora era obrigada a devolver.
\”Quase que diariamente ele adquire drogas, telefona ostensivamente para os traficantes. E uma das situações inusitadas é que ele constituiu como servidora fantasma do gabinete dele a esposa, a mulher do traficante. Provavelmente para facilitar o contato e também o pagamento das drogas\”, salienta o procurador-geral Marcelo Dornelles.
Fotos obtidas pelo MP mostram o traficante entrando no prédio do deputado para entregar as drogas, que eram pedidas por telefone. Os promotores dizem que o termo usado por Jardel nas ligações é cigarro, porque a cocaína era escondida dentro dos cigarros.
O relatório do Ministério Público diz ainda que a droga entregue pelo traficante era consumida por Jardel durante programas com uma prostituta, também contratada como funcionária fantasma do gabinete.
\”No período da investigação, ela acabou sendo exonerada. Mas teve um período em que ele contratou uma prostituta, sim, como servidora do gabinete\”, afirma o procurador.