Cerca de 5 mil procedimentos médico-hospitalares de média e baixa complexidade deixaram de ser realizados no Estado nesta segunda-feira como forma de protesto à falta de atualização da tabela de preços do Sistema Único de Saúde (SUS). O movimento é nacional e pede reajuste de 100% dos valores. As 245 instituições filantrópicas no Rio Grande do Sul avisaram os pacientes e remarcaram o atendimento. De acordo com o presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul, Júlio Dornelles de Matos, a ideia serviu para alertar o poder público sobre os riscos de as instituições diminuírem leitos, ou até mesmo fecharem, por conta do endividamento. A intenção, segundo ele, não foi prejudicar os pacientes, que chegam a esperar meses por uma cirurgia. “Não queremos que a população sofra mais. Quem não foi avisado, recebeu o atendimento. Tudo será reprogramado e em cerca de duas semanas a agenda já estará normalizada”, garantiu.Os procedimentos e tratamentos para pneumopatia são os mais procurados e foram os que sofreram maior número de cancelamentos. No Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, a direção informou que não houve transtorno para os pacientes, pois eles foram avisados das transferências. Os setores que realizam os atendimentos funcionaram normalmente para convênios e particulares. Segundo a federação, as entidades filantrópicas respondem por 75% do atendimento do SUS. Em 220 cidades gaúchas, o único hospital que existe é o filantrópico. A maioria dessas instituições utiliza mais de 90% da capacidade no atendimento gratuito, enquanto a lei exige apenas 60%. Endividamento é de R$ 1,2 bilhão no EstadoO atendimento ao SUS prestado nos hospitais filantrópicos corre o risco de entrar em colapso e parar em algumas instituições em razão da defasagem da tabela nos procedimentos. O endividamento do setor é de R$ 11,1 bilhões, sendo R$ 1,2 bilhão somente no Rio Grande do Sul. “Se algo não for feito, teremos uma rede insolúvel”, disse Matos, em uma reunião na Santa Casa.Segundo Matos, como consequência da defasagem, pelo menos 14 hospitais filantrópicos tiveram suas portas fechadas no Estado, nos últimos anos. Parte dessas instituições contou com a ajuda de prefeituras para voltar a funcionar. Os estabelecimentos ainda correm risco e a população de municípios como São Luiz Gonzaga, Santo Ângelo, Venâncio Aires e Uruguaiana podem ficar desassistidas. Entre os efeitos da crise está a depreciação tecnológica, redução de leitos e emergências superlotadas. Para cada R$ 100 utilizados pelos hospitais filantrópicos com o SUS, o valor que retorna é de R$ 65. “De R$ 35 em R$ 35, o endividamento cresce”, disse Matos. A diferença entre o valor pago e o que é realmente gasto chega a 225% na pediatria clínica, por exemplo. Segundo a federação, o setor estaria financiando o SUS, quando a dinâmica deveria ser contrária. A inversão reflete diretamente na qualidade do atendimento à população. As diferenças entre o que é reembolsado pelo SUS e o valor de procedimentos no mercado são enormes, conforme as Santas Casas. Um exame de urina tipo 1, por exemplo, custa, em média, R$ 19,50, mas o SUS só repassa R$ 3,70. Um hemograma completo tem preço de mercado de R$ 29,70, quando o repassado pelo governo federal é R$ 4,11. “Há 145 milhões de brasileiros que só tem acesso ao SUS. No Rio Grande do Sul, são 7 milhões. A situação dessas pessoas sem o sistema é inimaginável”, ressaltou. Investimento na saúde no Brasil é de 3,2%Para Matos, a parcela que é revertida para a Saúde no Brasil é insuficiente, especialmente quando é comparada com outros países. O investimento brasileiro em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é de 3,2%. Já na vizinha Argentina, o percentual é de 5,1%. Os gastos na área estão cada vez mais pesados para os municípios, de acordo com a federação. As prefeituras respondem por 30%, enquanto os estados por 25% e a União por 45%. O secretário municipal da Saúde de Porto Alegre, Carlos Henrique Casartelli, que esteve no evento ontem, declarou que apoia a causa. “Todos os secretários de Saúde devem estar de acordo. Não há dúvida de que a tabela está defasada e de que isso afeta o sistema”, disse. O presidente da Assembleia Legislativa, Pedro Westphalen, salientou que o Parlamento fez um convênio para federalizar o movimento. “Se não houver compreensão do problema, a sociedade sofrerá as consequências”, explicou.