Cerca de 40% dos 145 feridos no incêndio da boate Kiss já tiveram alta
Pacientes demonstrando melhora e recebendo alta têm aliviado o clima em hospitais que experimentaram previsões mais sombrias nos primeiros dias após a tragédia de Santa Maria. Ainda que 81 pessoas permaneçam internadas, 23 delas em estado grave, 41% dos 145 feridos hospitalizados desde o dia do incêndio na boate Kiss já puderam voltar para casa.
De segunda-feira até a tarde da última terça-feira, 11 pacientes foram liberados, segundo dados divulgados pela Secretaria Estadual da Saúde. No mesmo período, quatro deixaram de usar a ventilação mecânica. Nos casos em que a insuficiência pulmonar é o aspecto mais grave, sem outros problemas sérios associados, a dispensa do respirador artificial é uma evolução extremamente significativa.
— Em geral, é um bom ou um ótimo sinal — afirma Sílvia Regina Rios Vieira, chefe do CTI do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Ao avaliar o quadro geral dos 18 pacientes recebidos pelo Clínicas desde 27 de janeiro, Sílvia consegue visualizar um panorama mais positivo:
— Deu uma melhora grande. É melhor do que chegamos a prever, mas ainda temos de ser cautelosos.
Entre as 23 vítimas em estado grave — admitidas em instituições da Capital e do Interior —, pelo menos 10 sofreram queimaduras de diversos graus. Outras permanecem conectadas à ventilação mecânica para enfrentar intervenções de tratamento às lesões na pele.
Médico elogia mobilização no RS
Em entrevista na tarde da última terça-feira, autoridades apresentaram um balanço da mobilização e do atendimento prestado até aqui. Ainda no domingo 27, 86 leitos foram disponibilizados na Região Metropolitana.
— É muita coisa — afirma o superintendente do Grupo Hospitalar Conceição, Eduardo Nery Paes.
A partir de uma solicitação do Ministério da Saúde, o cirurgião torácico Marcelo Cypel, porto-alegrense radicado no Canadá há oito anos, viajou ao Rio Grande do Sul para aplicar a técnica da respiração extracorpórea. Ele está no Estado desde domingo. Dois pacientes foram submetidos ao procedimento que prevê a utilização de um pulmão artificial que permite que o órgão original descanse e se recupere.
— Me impressionou a mobilização nessa situação crítica. Certamente, os feridos não receberam tratamento muito diferente do que receberiam em Toronto — compara Cypel, diretor do Grupo de Suporte Pulmonar Extracorpóreo da Universidade de Toronto, também presente no encontro com a imprensa, na sede da secretaria.
ALGUNS PROCEDIMENTOS USADOS NO TRATAMENTO
Ventilação mecânica
Um respirador artificial permite que os pulmões recebam ar. Possibilita o fornecimento de oxigênio e alivia o esforço da musculatura. Insere-se um tubo, pela boca ou pelo nariz, que vai até a traqueia, levando o oxigênio aos pulmões. Doentes entubados de 10 a 14 dias correm risco de sofrer danos na laringe e na traqueia, e o médico pode optar por realizar a ventilação diretamente na traqueia. A ventilação não invasiva, para casos não tão graves, utiliza uma máscara.
Respiração extracorpórea
É uma opção para pacientes com infecções ou traumatismos sérios, que estão com os pulmões sobrecarregados pela utilização do respirador artificial. É como se coração e pulmões artificiais entrassem em operação para permitir que os órgãos originais trabalhem menos. O sistema é ligado a dois grandes vasos do corpo, possibilitando que o sangue saia do organismo, circule por uma espécie de filtro, onde é oxigenado, e retorne ao corpo.
Antídoto
A hidroxicobalamina, uma forma de vitamina B12 injetável, é utilizada para neutralizar a intoxicação por cianeto, componente da fumaça liberada no incêndio. O medicamento foi doado pelo governo dos Estados Unidos, a partir de uma solicitação do Ministério da Saúde. O composto costuma ser administrado imediatamente após a contaminação do paciente – ou, no máximo, quando a vítima está sendo transportada ao hospital pela equipe que prestou primeiros socorros.
Recuperação da pele
Os queimados passaram primeiro por uma cirurgia para salvar os membros (escarotomia), na tentativa de evitar a necrose dos tecidos. Em seguida, receberam curativos à base de sulfadiazina de prata, que mantém limpo o local afetado e evita infecções. Agora, o tratamento está na fase de remoção da pele machucada para possibilitar o enxerto da pele nova e definitiva, retirada dos próprios pacientes – as coxas são a principal área doadora do corpo.
Fontes: Secretaria Estadual da Saúde, Ministério da Saúde, Daniella Cunha Birriel, médica intensivista da UTI do Pavilhão Pereira Filho e integrante da equipe de transplantes da Santa Casa, Maria Angélica Pires Ferreira, pneumologista, Marcus Vinicius Martins Collares, chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, e Sílvia Regina Rios Vieira, chefe do CTI do Clínicas.